A artista chinesa, mas naturalizada brasileira, como faz questão de afirmar, é uma das grandes referências do País nos trabalhos em cerâmica

Chega a ser contraditório procurar um sentido para o acaso. Apesar de traçarmos planos para a vida, é sempre necessário estar aberto às surpresas que o destino oferece. Foi assim com Maria Cheung, um dos maiores nomes das artes plásticas do Brasil, que se tornou o que é hoje após aceitar aquilo que “o universo estava oferecendo”. 

A entrevistada da série Artistas do Iguaçu possui uma longa carreira como artista, focada principalmente na criação de peças em cerâmica, com trabalhos que atravessaram os oceanos, sendo expostos na Ásia, Europa e Oceania. Suas peças passaram também pelos vizinhos da América do Sul, e claro, com um enorme reconhecimento no Brasil, tendo sido premiada em diversos salões ao longo dos anos. 

Com trabalhos que já foram temas de estudos e análises, ela já esteve até mesmo presente em livros que a colocaram ao lado de grandes nomes, como Frida Khalo. Por meio da arte, cria peças conceituais, repletas de significados que contam a própria história de vida.  

Mas qual é o tamanho da representatividade que Maria Cheung possui? É o que iremos descobrir. 

De Hong Kong ao Brasil: o apagamento das origens

Nascida Cheung Miu Kuen, chegou ao Brasil ainda criança, aos sete anos, em 1964, após os pais se mudarem de Hong Kong, na China, em busca de uma vida melhor para a família. A primeira parada dessa longa jornada foi em Osasco, município de São Paulo. 

Se mesmo com a globalização as diferenças culturais entre os países são marcantes, para uma criança que chegava aqui na década de 1960 a adaptação não seria nada fácil. A primeira saída, como ela conta, foi tentar se adaptar ao máximo a tudo que existia no Brasil, mesmo que isso significasse romper com as tradições chinesas. 

“Eu tentei negar as minhas raízes para ser aceita na escola, vizinhança e neste novo país. Acredito que isso por vezes faz parte das nossas atitudes, de negar algo seu para ser aceito em um ambiente. Tentei aprender o português o mais rápido possível e nem mesmo em casa falávamos chinês”. 

Assim foi durante toda a infância e adolescência, período em que o contato com a arte ainda estava longe de suas atividades diárias e ajudava os pais na pastelaria que a família montou. O primeiro passo para a mudança aconteceu quando entrou para a faculdade, onde cursou Educação Artística. Foi também a partir dali que um talento, ainda oculto, se mostrou presente. 

“Eu nunca soube que poderia ter talento ou aptidão para as artes. Eu gostava do tema e entrei para me tornar professora. Mas logo na primeira aula de cerâmica eu senti algo que nunca havia sentido, me identifiquei com muita facilidade às aulas. Os professores perceberam isso e logo me incentivaram. Eu vencia concursos na faculdade e isso foi muito especial. Eu acredito em vidas passadas, acho que somente isso explica como aconteceu, porque em tão pouco tempo eu aprendi a fazer tantas coisas”. 

Quando se formou, os professores sabiam que Cheung poderia ir muito além. Para aperfeiçoar o talento natural que possuía, foi até São Paulo, onde conheceu um mestre que até hoje é uma referência para ela – o ceramista Megumi Yuasa. 

“Mudei para São Paulo, onde comecei a trabalhar no ateliê dele. O que aprendi na faculdade não era suficiente, então foi ali que conheci de verdade o que era esse trabalho. Foram seis anos como aluna e assistente do Megumi. Ele me incentivou a pesquisar mais sobre a minha própria cultura, dizia coisas sobre os meus trabalhos que eu nem percebia. Foi enriquecedor”.

Cheung evoluiu como artista, se casou, teve filhos – mas ainda não se dedicava integralmente às artes. “Durante esse tempo que eu passei lá conheci muita coisa, mas não consegui focar totalmente em meus trabalhos. Queria muito abrir o meu ateliê e fazer minhas peças. Conversei com ele sobre esse desejo e tive apoio. Como meu filho estava para nascer, estava decidida a seguir esse caminho assim que ele estivesse um pouco maior”.  

A chegada a Foz: tempo de resgatar o que foi perdido 

Já na década de 1980, ela e o esposo se mudaram para a nossa cidade vizinha no Paraguai, Ciudad del Este, onde abriram uma loja. Poucos anos depois, veio a mudança definitiva para Foz do Iguaçu. “O que era para ser só um período até fazermos um pé de meia e voltarmos para São Paulo, se transformou em 35 anos morando aqui, e não me arrependo”. 

Após alguns percalços, finalmente um ambiente favorável e o início da carreira, que por tanto tempo foi postergado. Foi então que os mistérios do acaso se fizeram ainda mais presentes. “Já estávamos na década de 1990 e fui conhecer o ateliê de uma artista. Quando me apresentei, disse a ela que fui aluna do Megumi. Na hora ela ficou espantada e disse que estava procurando um contato com ele há mais de seis meses, pois queria aprender algumas técnicas – eram técnicas que eu conhecia, então fui com o interesse de me tornar aluna, mas acabei virando professora. Não consigo acreditar que é somente coincidência, ter caído justamente no ateliê de alguém que já tinha essa ligação”. 

A partir desse momento houve a virada de chave. Da parceria com outras colegas, veio o aluguel do ateliê onde trabalhava até hoje, em quase 30 anos de história. 

A volta para a China: a redenção de uma artista   

A carreira da ceramista nunca mais teve baixas. Logo nos primeiros anos, prêmios e outras conquistas, como exposições na Argentina, Alemanha, Marrocos, Áustria e Itália. Contudo, ainda faltava um sonho que ela não descansaria até realizar:  expor na China. Novamente, o destino arrumou uma forma para isso que acontecesse. 

Após apagar as identidades na primeira parte da vida, Cheung fez questão de dedicar suas obras para resgatar toda a identidade e história de seu país Natal, a China. Por meio das artes conceituais, contou histórias sobre os anos de repressão da mulher chinesa, histórias familiares e diversas peças que mostravam o país tão ligado a ela. 

Em 2016, o grande sonho se fez realidade. Cheung voltou à China como uma artista respeitada e fez uma grande exposição na inauguração de um museu em Cantão. “Eu fui até a China algumas vezes, mas como turista. Em uma dessas idas conheci uma artista de Nova York, conversamos e mantivemos contato. Anos depois disso, ela me mandou um e-mail me convidando para expor na China. Eu fiquei muito emocionada! São mais de 30h de voo e fui chorando quase todo esse tempo, eu não acreditava que era real”. 

No país asiático, organizou uma exposição conceitual de batedores de portas, a simbologia não poderia ser mais clara: na China, é um grande sinal de respeito, ainda hoje, usar os batedores de portas para pedir licença ao entrar em uma casa. 

Cheung estava fazendo o mesmo. “Eu estava agradecendo pelas portas que se abriram para mim, mas também pedindo licença para voltar à China, como artista e podendo resgatar minhas raízes”. 

Até onde ela quer ir?

Os sonhos continuam presentes na vida dela. Como uma boa admiradora do destino, espera pelo melhor momento para que aconteçam. “Quero muito expor em bienais, naqueles grandes eventos internacionais. Todo artista sonha com isso, mas se não aconteceu, é porque talvez não seja o momento ainda. Como tudo foi acontecendo de maneira inexplicável, quem sabe logo eu não seja chamada também. Vamos deixar o destino agir”. 

Artistas do Iguaçu

A série Artistas do Iguaçu é produzida pela Comunicação Social da Prefeitura de Foz do Iguaçu em parceria com a Fundação Cultural. O objetivo é apresentar a história e trabalhos de artistas da cidade, nas mais diversas categorias, e valorizar o trabalho de profissionais que levam o nome de Foz para diversas partes do mundo, por meio de trabalhos únicos.